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Professora sim, Tia não




Paula Saretta (Ouvindo Crianças) e Milena Aragão*
O processo de ensinar, que implica o de educar e vice-versa, envolve a “paixão de conhecer” que nos insere numa busca prazerosa, ainda que nada fácil. Por isso é que uma das razões da necessidade da ousadia de quem se quer fazer professora, educadora, é a disposição pela briga justa, lúcida, em defesa de seus direitos  (…).  Recusar a identificação da figura da professora com a da tia não significa, de modo algum,  menosprezar a figura da tia (…). Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental à professora: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente. (…) Identificar professora como tia, (…), é quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve. Quem já viu mil tias fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado?
(Paulo Freire em “Professora sim, Tia não: cartas a quem ousa ensinar”, 2005, p.11 e 12).
Começamos com um dos textos do Mestre Paulo Freire, para dizer do tema que pretendemos conversar neste texto: a profissionalização docente, em especial, na educação infantil. 
Não é de hoje que a figura do professor passou a ser entendida como profissionais que, muito mais do que bons técnicos, tomam decisões e precisam atuar em um contexto imprevisível e complexo. Professores são pessoas que ousam ensinar, como diria Paulo Freire. Ousadia porque a tarefa é árdua, complexa e envolve diversos conhecimentos, que não são possíveis de serem adquiridos apenas em cursos de formação continuada. É preciso, também que, no interior da escolas, existam espaços de reflexão constante sobre suas práticas. A importância da consciência e da clareza em relação aos objetivos que desejam ser atingidos, é o que faz toda a diferença na vida prática dos professores!
Ainda hoje, ouvimos com frequência que, para “cuidar” de uma criança de 1 ano e meio, por exemplo, basta gostar de criança! Ou que não há necessidade de uma pessoa formada em pedagogia para trabalhar com crianças. “Para quê? São apenas crianças pequenas!” – muitos podem pensar. Assim, são abertas creches para o cuidado e educação de crianças com pessoas que sequer entendem sobre o desenvolvimento infantil, abrindo margem para que as crianças sejam cuidadas e educadas da forma como cada um acha certo, o que remete à história de vida e à reproduções errôneas de educação.  
Quem se lembra do que Alice, no país das maravilhas, perguntou ao gato num determinado momento de sua caminhada? Ela pergunta: “Gatinho, para que direção devo seguir?”, o gato, depois de pensar um pouco, diz: “se você não sabe qual direção deve seguir, qualquer caminho serve!”. É disso que estamos falando! Não basta ter boas intenções, gostar de crianças, ter adoráveis filhos em casa, etc., para ser professora de educação infantil. Não basta amar o que se faz se não souber o que fazer! É preciso saber, claramente, para que direção você está caminhando, com que propósito, a partir de quais referenciais teóricos, com revisão constante de suas crenças e de seus pensamentos. É  fundamental, sim, que o professor possa reconhecer seus valores, crenças e as concepções teórico-metodológicas que estão por trás de suas ações cotidianas. Crenças sobre a infância, sobre o brincar X alfabetização, sobre ser professora naquela escola, naquele contexto, com aquelas crianças e famílias, etc..   
Certa vez, quando perguntado para crianças de uma escola na cidade de Caxias do Sul/RS, o que elas faziam lá, elas disseram: “nós comemos, dormimos e brincamos”. E quando perguntadas se elas aprendiam algo, não souberam responder e disseram que não! Isso é muito sério, não? Depois de verificar a formação das pessoas que lá atuavam, percebemos que o pré-requisito para o desempenho havia sido cumprido: “gostar de crianças”. Ou seja, não havia um projeto pedagógico, um planejamento de trabalho, nada… Sobravam ordens, gritos e atividades que reproduziam esteriótipos (por exemplo, meninos brincam de lego azul e meninas de lego rosa)! Não estamos generalizando, só dizendo que isso ainda ocorre, infelizmente…
Deste modo, portanto, a tentativa de reduzir a professora à condição de tia, como fala Paulo Freire (e nós assinamos embaixo!), parece não só uma “inocente armadilha ideológica tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora” (p.25), como também desobriga a professora, de conhecer profundamente toda a teoria que embasa o cuidar na perspectiva do educar, entendendo a sua indissociabilidade. Estimular e incentivar as crianças (inclusive as bem pequenas) com tarefas desafiadores e problematizadoras, respeitando suas singularidades e seus interesses; não nos parece algo inato, um dom de mulheres amorosas, mas, sim, necessita de muito estudo e constante revisão de sua prática embasada em pesquisas científicas e conhecimento sólidos.    
Famílias que escolhem as escolas, professores e educadores que trabalham com crianças pequenas, precisamos, mais uma vez (e ainda), pensar seriamente sobre tudo isso! Pais, verifiquem a formação da professora do seu filho, vejam se a escola incentiva a formação continuada dos docentes, com reuniões de estudos sistemáticos, por exemplo. Não aceite que seu filho seja cuidado e educado por um espaço que não tem compromissso com a qualidade.
Não conseguiríamos finalizar de modo mais lúcido e brilhante, que nosso Mestre Paulo Freire:
“(…) Professora, porém, é professoraTia é tia. É possível ser tia sem amar seus sobrinhos, sem gostar sequer de ser tia, mas não é possível ser professora sem amar os alunos – mesmo que amar, só, não baste – e sem gostar do que se faz. (…) Não é possível também ser professora sem lutar por seus direitos para que seus deveres possam ser melhor cumpridos. Mas, você, que está me lendo agora, tem todo o direito de, sendo ou pretendendo ser professora, querer ser chamada de tiaou continuar a ser. Não pode, porém, é desconhecer as implicações escondidas na manha ideológica que envolve a redução da condição de professora à de tia” (p.26, “Professora sim, Tia não”, 2005).
Entendemos que uma educação de qualidade, portanto, passa necessariamente pela identidade do professor, por seu entendimento do que é educação, construído coletivamente por toda a comunidade escolar (alunos, professores, pais, gestores, funcionários, comunidade do bairro). 
Como defende Paulo Freire, ensinar é um ato político, e é nele que o profissional pode se revelar como um importante mediador e agente transformador. Ou, então, somente como um transmissor de conhecimentos não refletidos, nem questionados. Se assim for, ele [o professor] se exclui, se abstém do processo educativo, assume, na sua ausência emocional, que não precisa lutar coletivamente por melhores salários, pelo reconhecimento e respeito profissional.
Mas, omitir-se, também é um ato político.
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* Milena Aragão é psicóloga. Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul/RS e Doutoranda em Educação na Universidade Federal de Sergipe.

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